Estiagem na Amazônia: vale a pena ver de novo?
Todos os anos, a partir de agosto, começa o período de estiagem na região amazônica. Nesta época do ano, e em todo o segundo semestre, há redução das chuvas e o volume de água nos rios da região diminui, o que pode impactar muito a vida dos moradores, das empresas e da indústria amazonense. Em 2023, uma combinação de fatores, incluindo o El Niño associado ao aquecimento do Atlântico Norte, provocou uma estiagem drástica.
2024 chegou e o nível dos rios permanece mais baixo que há um ano, o que significa que teremos pela frente mais um período desafiador. Segundo um monitoramento da Transpetro, anunciado na Navegistic Navalshore Amazônia, que aconteceu em abril em Manaus, a quota da nascente do rio Solimões, em Iquitos, no Equador, está a 30 centímetros da seca histórica registrada no ano passado. É um péssimo sinal.
O setor de cabotagem ainda não se recuperou da estiagem do ano passado. Uma das empresas associadas da ABAC, que transporta, dentre outros, cimento para a região, teve uma perda de resultado de até 80% em algum dos casos, devido ao fundeio prolongado, e a perda do volume transportado, em algumas viagens, foi de até 60%, se comparado a 2022. Todas as empresas de cabotagem que transportam até o porto de Manaus sofreram impacto similar. O aumento no custo de praticagem foi da ordem de 30%, pela restrição de calado. O setor ficou sem atracar em Manaus por um mês e meio naquele período e a queda de movimentação, na região, no quarto trimestre de 2023, foi de 42%.
Quando os rios da Amazônia reduzem o volume de água, os navios, que transportam até 3 mil contêineres cada, encontram dificuldade para chegar ao porto de Manaus. A solução é distribuir a carga em barcaças menores, que carregam pouco mais do que 100 contêineres. A operação agrega custos ao transporte, e se torna demorada e burocrática. No ano passado, por exemplo, a Receita Federal criou dificuldades para o desembarque, em outro porto, de mercadorias destinadas a Manaus, aumentando ainda mais uma crise já existente.
Como Manaus recebe uma série de insumos, de cimento a medicamentos, o momento exige ações urgentes e estruturais para que a população não sofra tanto. É necessário planejar o quanto antes. Fazer obras de dragagem antes da seca. A Diretoria de Infraestrutura Aquaviária, do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), anunciou recentemente que recebeu batimetrias da região e que já mapeou os pontos de dragagens regulares. Mas é preciso correr, porque já está tarde para o que precisa ser feito. Se faz necessário criar um grupo de planejamento sobre o tema que inclua Governo, Marinha do Brasil, sociedade e entidades representativas do setor de cabotagem, a fim de garantir um mínimo de transparência e previsibilidade das informações. A promessa foi de que o edital de concorrência para as dragagens nos rios da região seria lançado este mês. Estamos aguardando.
De acordo com um levantamento realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 2019, o Brasil utiliza, para transporte comercial de cargas e passageiros, apenas 30,9% dos quilômetros navegáveis de rios. O governo federal quer lançar o projeto BR dos Rios, que pretende incentivar a navegação nos rios brasileiros, por onde passam atualmente apenas 5% do total de cargas do país. O objetivo inicial é alcançar 8% até 2035.
O setor de cabotagem está preparado para aumentar sua contribuição para a economia nacional. Mas temos que planejar e fazer ações coordenadas. Só assim fará sentido falar em BR dos Rios.