Nova era da cabotagem desafia o setor com avanços regulatórios e incertezas operacionais

Sérgio Gusmão
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O avanço da cabotagem no Brasil marca um novo capítulo para o transporte marítimo nacional, impulsionado pela regulamentação do programa BR do Mar. A medida, aguardada há anos pelo setor, busca ampliar a participação das rotas costeiras no escoamento de cargas, reduzir a dependência das rodovias e criar um ambiente mais competitivo para empresas de navegação. No entanto, a transição para esse novo cenário ainda é acompanhada por dúvidas sobre a aplicabilidade das regras e os efeitos práticos no curto prazo. O desafio está em equilibrar a promessa de modernização com as barreiras estruturais e operacionais que persistem no sistema logístico brasileiro.

A cabotagem sempre foi vista como uma alternativa estratégica para o transporte interno de mercadorias, especialmente diante do alto custo do modal rodoviário e da sobrecarga nas principais rodovias do país. Com a regulamentação do BR do Mar, o governo pretende estimular o uso de navios de bandeira nacional e flexibilizar a entrada de embarcações estrangeiras para suprir a demanda. Essa abertura busca reduzir gargalos logísticos e oferecer maior previsibilidade no fluxo de cargas, mas também gera preocupação entre armadores brasileiros, que temem uma competição desigual com frotas mais modernas e subsidiadas de outros países.

O programa BR do Mar representa, portanto, um esforço de reestruturação do transporte marítimo interno, mas sua execução depende de fatores que vão além do texto regulatório. A falta de infraestrutura adequada nos portos, a lentidão dos processos aduaneiros e a ausência de integração entre modais ainda limitam a competitividade da cabotagem. Especialistas apontam que, sem investimentos coordenados e incentivos claros, o potencial do programa pode se diluir diante das dificuldades logísticas que há décadas afetam o transporte nacional. A expectativa, contudo, é que o marco regulatório traga fôlego a um segmento historicamente subutilizado.

Entre os pontos mais discutidos da regulamentação está a possibilidade de afretamento de embarcações estrangeiras por tempo determinado, uma medida que busca suprir a escassez de navios disponíveis no mercado nacional. Embora o mecanismo amplie a capacidade de operação e permita atender novas rotas, ele também exige vigilância para garantir que os benefícios sejam distribuídos de forma equilibrada entre empresas locais e internacionais. O equilíbrio entre incentivo à concorrência e proteção à indústria naval brasileira será determinante para o sucesso da política.

Outro aspecto relevante é o impacto da cabotagem sobre a sustentabilidade do transporte de cargas. Com o aumento da utilização de navios, há potencial para reduzir significativamente as emissões de gases poluentes, uma vez que o modal marítimo é menos intensivo em carbono do que o rodoviário. Além disso, a ampliação das rotas costeiras pode contribuir para diminuir o desgaste das rodovias e os custos de manutenção da malha terrestre. Assim, a regulamentação do BR do Mar se insere também em uma agenda de transição energética e eficiência ambiental, reforçando o papel estratégico da cabotagem no futuro da logística brasileira.

Apesar do entusiasmo inicial, as empresas do setor ainda enfrentam um ambiente de incerteza quanto à aplicação das novas regras. Muitos armadores aguardam instruções complementares e ajustes técnicos para compreender como o modelo funcionará na prática. Há também questionamentos sobre o impacto tributário e os critérios de fiscalização, pontos que podem afetar diretamente a viabilidade econômica de novos investimentos. A efetividade da política dependerá, em grande medida, da clareza regulatória e da capacidade de execução dos órgãos responsáveis.

Outro desafio é a necessidade de fortalecer a mão de obra especializada e modernizar a frota nacional. A carência de navios adequados e de profissionais qualificados limita a expansão do transporte marítimo, mesmo com a regulamentação em vigor. Programas de formação e incentivos à indústria naval serão fundamentais para que a cabotagem alcance o nível de eficiência esperado. O sucesso do BR do Mar, portanto, não será medido apenas pela aprovação da lei, mas pela sua capacidade de gerar crescimento sustentável, empregos e competitividade no longo prazo.

A nova fase da cabotagem no Brasil reflete uma tentativa concreta de corrigir distorções históricas do transporte nacional e de integrar o país por meio de rotas marítimas mais acessíveis e seguras. O avanço regulatório é um passo importante, mas ainda distante de resolver todos os entraves estruturais do setor. A consolidação desse modelo exigirá persistência, coordenação entre governo e iniciativa privada e, acima de tudo, estabilidade nas políticas públicas voltadas à logística. O BR do Mar, agora regulamentado, inaugura uma oportunidade singular de transformação — desde que venha acompanhada de execução técnica e visão de longo prazo.

Autor: Sérgio Gusmão

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