O setor de transporte marítimo vive um momento de expectativa e alerta diante da ausência de regras mais objetivas que possam garantir segurança jurídica e operacional para os agentes envolvidos. Apesar do otimismo gerado com a criação de um programa nacional voltado à ampliação das rotas costeiras, o que se observa hoje é um cenário de indefinições que afeta diretamente a capacidade de planejamento e investimento das empresas. A falta de padronização nos procedimentos e a morosidade na liberação de novos serviços continuam sendo entraves que impedem a plena utilização de um dos modais mais eficientes para o escoamento interno de cargas.
A ausência de parâmetros claros sobre afretamento, tarifas e controle operacional tem provocado uma espécie de paralisia regulatória no setor. Empresas que apostaram na expansão de suas operações se deparam com um ambiente de instabilidade, no qual decisões estratégicas são postergadas à espera de diretrizes consistentes. Essa lacuna regulatória também dificulta a entrada de novos players, reduzindo a competitividade e concentrando o mercado em poucas mãos. O resultado é um ritmo lento de expansão e uma cadeia logística que continua refém da burocracia e das interpretações variáveis das normas existentes.
O objetivo do programa, que prometia simplificar processos e fomentar o transporte de mercadorias entre portos brasileiros, ainda não foi plenamente atingido. A proposta de flexibilizar o uso de embarcações e atrair investimentos internacionais permanece distante do cotidiano das operações. Sem mecanismos eficazes de fiscalização e clareza nas regras de contratação, o avanço se torna tímido e as promessas de eficiência perdem força. O setor, que poderia reduzir significativamente o custo logístico nacional, permanece aguardando um ambiente de maior previsibilidade e coerência institucional.
Outro desafio recorrente está na falta de coordenação entre os diferentes órgãos públicos responsáveis pela aplicação das novas diretrizes. Enquanto algumas áreas avançam na definição de parâmetros técnicos, outras mantêm procedimentos desatualizados, criando contradições e insegurança jurídica. Essa fragmentação prejudica o alinhamento entre operadores, terminais portuários e autoridades marítimas, comprometendo a fluidez do sistema. A ausência de integração digital entre os sistemas de controle também amplia custos e gera lentidão nas operações, contrariando o propósito original de eficiência e modernização.
Há, ainda, um fator estrutural que agrava a situação: a defasagem de infraestrutura portuária e de frota. O país convive com terminais congestionados, calados insuficientes e embarcações envelhecidas, o que compromete a confiabilidade do transporte marítimo interno. Sem investimentos coordenados e incentivos adequados, a dependência do transporte rodoviário continuará predominando, com impacto direto sobre o custo do frete e a emissão de poluentes. É consenso entre os analistas que qualquer política de fortalecimento do setor precisa caminhar junto com um plano robusto de renovação da infraestrutura nacional.
A insegurança regulatória também repercute na indústria naval, que observa queda nas encomendas e incerteza sobre o retorno de investimentos. Empresas que poderiam se beneficiar do novo marco ainda hesitam em realizar aportes significativos, diante da possibilidade de mudanças repentinas nas regras do jogo. Esse ambiente instável mina a confiança e impede a construção de um ecossistema produtivo sólido, capaz de gerar empregos e estimular a economia de forma duradoura. Sem diretrizes estáveis, o potencial de desenvolvimento permanece estagnado, mesmo com a demanda crescente por soluções logísticas mais sustentáveis.
Do ponto de vista ambiental e estratégico, a expansão do transporte marítimo interno representa uma oportunidade de ouro para reduzir o impacto ecológico das cadeias produtivas. O uso mais intenso de navios pode descongestionar rodovias, diminuir o consumo de combustíveis fósseis e reforçar a segurança do transporte de cargas sensíveis. No entanto, para que esses benefícios se concretizem, é indispensável que as regras do setor sejam objetivas, previsíveis e orientadas para o longo prazo. Sem isso, o país corre o risco de desperdiçar um dos instrumentos mais promissores para modernizar sua logística.
A indefinição regulatória, portanto, não é apenas um problema jurídico, mas um obstáculo estratégico para o desenvolvimento do transporte marítimo brasileiro. A criação de normas claras, alinhadas às práticas internacionais e acompanhadas de incentivos reais, é o caminho para destravar investimentos e acelerar a integração entre portos. O país dispõe de um potencial logístico invejável, mas precisa transformar a promessa de modernização em resultados tangíveis. Enquanto as diretrizes não forem consolidadas, o crescimento do setor continuará limitado, e o sonho de um sistema de transporte mais equilibrado seguirá adiado.
Autor: Sérgio Gusmão
